quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Jornalismo, gatekeepers e o público


“Nenhum aspecto da comunicação é tão impressionante como o enorme número de escolhas e rejeições que tem de ser feitas entre a formação do símbolo na mente do comunicador e o aspecto de um símbolo afim na mente do receptor” (Scramm, 1944). Esta é a descrição ideal para a tarefa árdua de colocar um jornal diário no ar, dentro da casa de milhões de pessoas no país inteiro. Ao assumir o papel de “gatekeeper-chefe” do Jornal Nacional, da Rede Globo, William Bonner realiza perfeitamente o que David White trata como “deixar entrar ou rejeitar”. Perceber isto é fácil e óbvio. A tarefa árdua é compreender como ocorre esse processo de escolha das notícias do jornal mais assistido do Brasil, desde sua origem em 1969.

O processo de seleção das notícias começa muito antes do editor-chefe. As sugestões de pauta já carregam certo filtro do que será levado aos telespectadores. Mesmo a afirmação de que a escolha das notícias se baseia no interesse do espectador não é verdadeira. Na realidade, a escolha é feita por profissionais, de acordo com o que eles acham que interessa ao espectador. Isso pode gerar um ciclo vicioso, quando o espectador acaba se interessando pelo que assiste porque é aquilo que a emissora transmite, e não o contrário.

No documentário realizado há alguns anos sobre o Jornal Nacional, Bonner afirma que a prioridade no JN é para os assuntos que atraem o público. Entenda-se atrair como interessar por que é útil e interfere no dia-a-dia do telespectador. Mas nem sempre é isso que atrai. O jogo de imagens, as chamadas e a forma como se transmite um conteúdo banal pode ser atraente também. Os repórteres do JN se referem, no mesmo documentário, muito à objetividade e à clareza na transmissão das noticias como essência do jornalismo que praticam. A editora do jornal, Fátima Bernardes, também se refere à essas características e explica que caso a matéria não se encaixe nesses padrões, não vai ao ar. Outro ponto que pesa na seleção das notícias é o respeito às decisões das reuniões de pauta. Uma reportagem que fuja ao foco, estabelecido previamente ou extrapole o tempo oferecido, infelizmente não entra no JN, por melhor que esteja.

De acordo com Edward Herman, os assuntos escolhidos pela mídia devem atender aos interesses da maioria da população. Contudo, como dito antes, na formação do ciclo vicioso “interesse da população X informação transmitida”, torna-se quase impossível afirmar se a televisão transmite o que o povo quer ver ou se o povo vê porque estão transmitindo. Fátima Bernardes afirma que se preocupa em trazer os efeitos de uma nova lei ou de uma crise econômica para a vida cotidiana. Ela acredita que dessa forma atinge e desperta o interesse da população.

A eficácia da mídia na difusão de noticias deve estar sempre em mente para entendermos a importância do gatekeeper. Não podemos pensar a posição dos editores de jornalismo como tarefa simples ou dispensável. Sob a perspectiva da ética, os seletores de notícias não deveriam se render aos interesses nem mesmo da empresa jornalística. Como sabemos ser impossível tal isenção, espera-se ao menos responsabilidade no tratamento com o público e consciência, para não tornar o espectador um interessado no que lhe é informado, em vez de oferecer aquilo que o interessa realmente.

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